BR – 319, afonia amazônica
A BR – 319 surgiu no bojo do projeto de integração nacional do regime militar. Não nasceu, portanto, no seio da sociedade amazônica. Não tivemos voz nesse processo. Foi imposto, mas, coincidiu com o desejo da população amazonense de ter uma ligação terrestre com o resto do país. As elites regionais também o acolheram bem. Desde o início, em 1968, até o abandono definitivo, vinte anos mais tarde, foi sempre uma obra problemática e controversa.
Com o avanço das ideologias ambientalistas, consolidou-se forte resistência a qualquer intento de recuperar a estrada, sob a alegação de que engendraria danos irreparáveis à floresta. Por outro lado, permaneceu latente a esperança da viabilização da rodovia, sobretudo, entre as classes produtivas regionais.
No governo Lula, essa esperança se reacendeu. Parecia haver uma conjuntura muito favorável. Excelentes relações do Governo do Amazonas como o Planalto; a Pasta dos Transportes nas mãos do Amazonas, o IBAMA conduzido por gente da terra. Mera ilusão. Logo, a realidade do cálculo político-partidário fulminou o que parecia ser promissor.
Esta semana, a BR-319 está de novo na pauta do dia. Um grupo de políticos e empresários saiu de Porto Velho para percorrer toda a estrada e inspecionar os trechos embargados pelo Ibama, reavivando o debate entre quem é favorável ou contrário à reabertura da BR-319.
A propósito desse debate, cabe salientar que um ponto crucial não pode ser ignorado: que o problema ambiental da Amazônia é de fundo econômico.
Dessa perspectiva, deve compreender-se que, enquanto a região permanecer pobre, com suas populações submetidas a todo tipo de privações e a mazelas sociais, a degradação ambiental prosseguirá. Toda possibilidade de fomento ao desenvolvimento socioeconômico da Amazônia deve ser aproveitada. A pavimentação da BR-319 traria enormes possibilidades de negócios, com geração de renda e emprego para muitos amazônidas. Desse modo, a estrada contribuiria para a conservação da floresta, não para sua destruição. Há muitos meios de prevenir a degradação ambiental do entorno da rodovia. O que não se pode é negar oportunidades para populações que, historicamente, foram abandonadas pelo Estado brasileiro. Punir gente tão sofrida, retirar-lhes opções de futuro mais digno é, no mínimo, um grave equívoco.
Vale ponderar, ainda, que o bloqueio ideológico ambiental está levando ao completo desperdício das riquezas da Amazônia, e condenando milhões a vidas sem esperança. Ademais, o discurso ambientalista é contraproducente pois só ampliou as condições que causam a degradação. Não há contradição entre desenvolvimento socioeconômico e conservação ambiental. É plenamente possível compatibilizá-los, com planejamento e tecnologias adequados.
Nasci em 1965, vivi minha infância em uma Amazônia pristina e bela. A natureza da região definiu minha sensibilidade e meu modo de interpretar e relacionar-me com o mundo. Sofro ao ver a degradação que agendas externas impuseram a nossa terra e ao nosso povo. Chega, temos de voltar a ter o comando de nossos destinos. Quando éramos só nós, quando o Brasil nem se dava conta da existência da Amazônia, a mantivemos intacta, embora explorando intensamente suas riquezas naturais. No passado, muitas fortunas se construíram na Amazônia com a extração de suas madeiras, de suas gomas, de suas fibras, de seus frutos, etc, sem destruir nada.
Temos de retomar as rédeas de nosso destino, e mostrar ao mundo que, com a sabedoria amazônica, poderíamos salvar a floresta, que, afinal, é nossa casa.
Se o poder de decisão permanecer fora da região, nos gabinetes de Brasília, estará tudo perdido, e assistiremos, em poucas décadas, a destruição definitiva do bioma amazônico. Basta de afonia. Nossa voz tem de ser ouvida.
Manaus, 27 de outubro de 2015
Belisário Arce
Presidente
Associação PanAmazônia